Guitarrista do Guns N´Roses lança autobiografia

Autobiografia de Slash traça um rico retrato da produção roqueira da Los Angeles dos anos 80. Franqueza do autor não poupa detalhes sórdidos



Historicamente, os grandes heróis da guitarra surgiram entre as décadas de 1960 e 1970. Jimi Hendrix, Eric Clapton, Keith Richards, Jimmy Page são figuras que viraram ícones por razões que vão além da própria música. Ainda que o rock continue produzido instrumentistas tão bons quanto estes, a música, desde o advento do punk, pede menos virtuosismo e mais economia nas cordas de Fenders e Gibsons. Uma exceção no universo roqueiro é o hard rock. E uma figura que personificou todos os excessos do rock pesado nascido nos anos 1980 é Slash, o guitarrista solo do Guns N’Roses, a banda-símbolo daquela era.

Ainda que a história do supergrupo de Los Angeles esteja bastante concentrada na figura de seu vocalista, Axl Rose, hoje um pastiche do líder de outrora, a imagem do guitarrista cabeludo, com sua indefectível cartola e um cigarro desleixado na boca, é quase tão marcante quanto. Tanto por isso, o lançamento no Brasil da autobiografia Slash, escrita em parceria com o jornalista Anthony Bozza – e publicada no ano passado nos Estados Unidos, justamente no aniversário de 20 anos de Appetite for destruction, o álbum de estréia do Guns –, torna-se obrigatória não somente para os seguidores da banda, mas também para interessados em rock em geral. Isso porque Slash traça um rico retrato da produção roqueira que emergiu em Los Angeles na década de 80 (vale lembrar que o Guns foi criado em 1985).

Autobiografias não pretendem ser imparciais. O que Slash fez em 450 páginas foi dar a sua visão para uma trajetória que abusou do clichê sexo, drogas e rock and roll. Mesmo tendo deixado o Guns em 1996 e de hoje estar às voltas com o Velvet Revolver (banda formada em 2002 e, atualmente, à procura de um vocalista), é o grupo que formou com Axl, Duff McKagan, Izzy Stradlin, Steven Adler (o baterista da gravação inicial, depois trocado por Matt Sorum) que domina a maioria do material. Vamos e venhamos, mesmo que boa parte da história do grupo seja conhecida dos fãs, é ela, com todos os bastidores do Guns, que interessa.

Nascido na Inglaterra, filho de pai inglês branco e mãe norte-americana negra, Slash (Saul Hudson) não teve uma infância estável. Os pais, ambos envolvidos com o cenário musical (ela uma figurinista que trabalhou com David Bowie e o namorou, ele um ilustrador que chegou a fazer capas para Joni Mitchell), logo se mudaram para Los Angeles e a mãe começou a fazer sucesso. O pai, sem a mesma repercussão, passou a beber. O casamento não durou e o garoto ficou pulando de uma casa a outra. Muito liberal, a mãe deixava Slash fazer o que queria, desde que ele freqüentasse as aulas. A primeira paixão foi a bicicleta, seguida pelo skate, ambos esquecidos a partir do momento que Slash descobriu a guitarra, por meio de um instrumento de somente duas cordas que a avó lhe deu. Apenas a dedicação aos répteis (as cobras em especial) não mudou com o decorrer dos anos.

PODRIDÃO

O curioso é que a trajetória da juventude e de grande parte da vida adulta é uma repetição da infância. Cleptomaníaco, Slash sempre roubou tudo o que pôde (a sua primeira cartola, marca registrada, foi conseguida por meio de furto). Mesmo com o Guns assinando com a todo-poderosa Geffen Records, o que garantiu aos cinco integrantes um razoável adiantamento, ele (assim como os colegas de bandas) continuava a não ter endereço fixo. Freqüentou a casa de todas as stripers que lhe deram alento; consumiu milhares de dólares em heroína (vício, para ele, tão forte quanto o álcool); quebrou tudo o que viu pela frente, de carros à própria moradia. A narrativa flui facilmente, graças à franqueza, que chama a atenção em meio a toda a podridão do cenário apresentado.

Passagens das mais sórdidas da carreira de Slash com o Guns N’Roses são relatadas pelo guitarrista com riqueza de detalhes e sem nenhum pudor. Ele faz com que os escândalos de Britney Spears e Amy Winehouse pareçam brincadeira de criança. A trajetória de Slash, hoje um pai de família quarentão, não tem nada de exemplar. Mas é, acima de tudo, coerente com a sua época. Como o próprio Slash escreveu: “Sempre tive de fazer as coisas do meu jeito; me droguei do meu jeito, livrei-me do vício do meu jeito, entrei e saí de relacionamentos do meu jeito. Levei a mim mesmo aos extremos da vida do meu jeito. E ainda estou aqui”.

TRECHOS

Coração

“Um cirurgião instalou um cardioversor-desfibrilador implantável (CDI) no meu coração quando eu tinha 35 anos. É um gerador a bateria de sete centímetros e meio de comprimento, que foi inserido através de uma incisão na axila. Ele monitora o tempo todo os meus batimentos cardíacos, enviando choques sempre que o coração bate perigosamente depressa ou devagar demais. Quinze anos de excesso de álcool e abuso de drogas haviam feito esse órgão inchar até chegar a um instante de explodir.”

Abstinência

“A verdade era que eu estava tendo uma séria crise de abstinência depois de apenas um dia sem heroína. Foi difícil admitir aquilo para mim mesmo. Deitado sozinho na minha cama naquela noite, suando feito louco, ainda me recusava a achar que aquilo fosse alguma outra coisa além da pior gripe que já tivera.”

Gemidos

“Quando mixamos Rocket queen, Axl achou que ela precisava de algo mais… Assim, sugeriu que Adrianna Smith transasse com ele na sala de captação para podermos gravar os vocais dela e colocarmos no solo. Tínhamos enchido a cara com Jack Daniel’s o dia inteiro e, portanto, aquilo pareceu a coisa mais natural do mundo… Assim, acendemos algumas velas para criar um clima e, então, ela e Axl foram para a sala de captação, deitaram no chão junto à bateria, e nós gravamos o desempenho de Adrianna em todos os seus sinceros gemidos e grunhidos. Aproveite – isso está bem lá na mixagem final.”

Monstro

“Às vezes, a verdade está bem diante de seus olhos e faz tão pouco sentido que você simplesmente não a enxerga. É como observar seu reflexo no espelho de um parque de diversões – fica difícil de acreditar que a figura distorcida a encará-lo é você. O Guns tornara-se um monstro semelhante. Éramos uma versão tão bizarra do que havíamos sido que eu mal conseguia reconhecer a nós mesmos. Mas, ao contrário da casa dos espelhos, eu não podia escapar; quando me afastei do espelho, o reflexo continuava lá.”

Axl

“A verdade é que não troco uma palavra pessoalmente com Axl desde que deixei a banda, em 1996. É triste, mas é verdade. Passei, de fato, pela casa dele numa noite, mas estava bêbado – Perla, sóbria, era quem dirigia. Adiantei-me até a porta e deixei um bilhete que dizia algo do tipo “Vamos resolver isto. Me ligue. Slash”. Mas não o entreguei a Axl e, sim, ao assistente dele… Eu posso falar m. sobre Axl, posso fazer isso o dia inteiro se quiser – porque tive de lidar com ele durante anos.”